sexta-feira, maio 25, 2007

Um moletom viajante e antijornalístico

Saindo da Cidade Universitária, entro num ônibus meio lotado e não consigo deixar de prestar àtenção num grupo de amigos em pé à minha frente. O grupo, de três personagens, falava dos cálculos de uma prova que teriam acabado de fazer. "Você sabia que era pra calcular o Delta S?", escuto de um.

Dentre os três, uma garota baixinha e magra me lembrou uma antiga amiga. Ela trazia um moletom branco com listras azuis nas mangas. Um dos rapazes trazia o mesmo moletom. Opa! Eles se abraçam e ele a beija na testa. São namorados. Namorados com moletons iguais. Que brega! Notei que o moletom tinha um escudo no peito e coisas escritas nas costas e decidi me empenhar a descobrir o que diziam.

Por algum motivo os três começam uma conversa sobre jornais. O rapaz sem namorada diz que achava inútil ler jornal:

- Pensa... Você nunca vai saber os fatos. Eles sempre vão te dar a versão deles dos fatos. É idiota você ficar lendo e saber só do que eles querem. É mais fácil você ver os fatos e ter uma opinião própria - disse ele, convicto de que pronunciava algo revolucionário.

- Ah, num sei, não... Você pode ler, tipo, a Folha e ler o Estado e saber os fatos - respondeu a garota enquanto colocava as mãos no bolso do moletom do namorado.

- Eles nunca falam os fatos - concluiu o solteiro, apocalipticamente.

Mais um beijo na testa e eles se calam. O assunto morreu. Eles continuaram falando amenidades do tipo "puxa, tá frio, hein?!" e eu me sentia mais gelada do que nunca. Uma cena dessas, com todas as suas representações simbólicas, siginifica muito mais do que qualquer tabela de números (exibida numa aula de Gerenciamento de Empresas Jornalísticas) que mostre que os jornais vendem menos a cada ano.

Apesar do desespero calado em que me meti, ainda continuei minha busca pelo que estaria escrito nos moletons. Antes que eu descesse, o garoto-com-namorada me virou as costas e de lá eu li "Politécnica, USP".

Yo lo vi.

segunda-feira, maio 21, 2007

Tarde de Domingo

Levantou rapidamente com a sensação de que estava atrasado. Olhou o relógio apavorado e viu que já passavam das 11 horas. Lembrou que era domingo e, mesmo sentindo certo alívio, não conseguia entender como pudera dormir tanto.

Toda a vida, o Sr. Sheppard fora daqueles que acordavam ao primeiro cantar do galo. Se orgulhava de dar duro, de trabalhar o dia todo, de ter uma vida regrada e saudável com as bênçãos de deus. Mas aquele domingo parecia trazer de novo um daqueles sentimentos de que algo faltava, de que todo o esforço e determinação de mais de meio século de vida não haviam sido, por fim, completos.

Olhou pela a janela para a casa dos Windsor e viu o pequeno Peter brincando com um peão. Ele e a Sra. Sheppard não podiam ter filhos e ele vivera todos os 34 anos daquele casamento entre a frustração e o dissimular de sua frustração em frente a mulher. Ela era fraca demais, pensava, e ele deveria ficar ao seu lado mesmo que ela não lhe pudesse satisfazer seu maior desejo.

Correu, então, os olhos para a mulher, que se dirigia a cozinha. A Sra. Sheppard trazia meias de lã que iam até o meio das canelas, um vestido largo, com estampas de flores roxas, e calçava chinelos de couro. Trazia os alvos cabelos presos por grampos dourados, e, no rosto, um par de óculos arredondados. Ele não reconhecia naquela senhora mal arrumada a mulher com quem casara.

- Ben, você falou com o Dr. Williams? Ele disse que viria aqui na semana que vem, mas eu acho que você deve falar com ele antes.
Benjamin Sheppard demorou a entender o que a mulher queria.
- Ben, você está me ouvindo? Prometa que vai fazer isso amanhã. E, depois, você podia aproveitar e avisar a Sra. Williams que eu tenho uma receita de frango ao curry que ela pode vir buscar. Ben?

Naquele momento, o Sr. Sheppard terminara de se vestir e seguia rumo a algum lugar que ele sequer sabia qual era. Cruzou as ruas vazias daquele início de tarde sem prestar atenção no caminho. Nem ele nem a mulher sabiam, mas aquela teria sido a última vez que se viram.

domingo, maio 06, 2007

Presença clínica

Quando ele apareceu, ela sorriu.
Quando ele sorriu, ela curou.